Fiscalização encontra trabalhadores em alojamento precário durante reforma de escola indígena financiada com recursos públicos
Dois trabalhadores venezuelanos foram resgatados em situação de trabalho análogo à escravidão durante a reforma da Escola Estadual Indígena 5 de Julho, na Terra Indígena Rio Guaporé, em Rondônia. A operação, realizada por auditores-fiscais do Trabalho, Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal, encontrou alojamentos improvisados, alimentação insuficiente, salários atrasados e restrição de liberdade de locomoção — condições que configuram uma das mais graves violações trabalhistas.
A obra, contratada pela Secretaria de Educação do Estado (Seduc), tem orçamento de R$ 504 mil, dentro de um pacote de reformas que soma R$ 21 milhões. O serviço foi executado pela empresa Terra Forte Ltda., que já recebeu mais de R$ 66 milhões em contratos com o governo estadual. Além dos dois venezuelanos, outros três indígenas trabalhavam no local, mas não foram identificados em situação de escravidão.

Segundo a fiscalização, os venezuelanos dormiam em colchões sobre mesas escolares, em um prédio sem janelas ou portas, usando uma lata como copo coletivo. O local não possuía banheiro nem instalações sanitárias adequadas. Os salários estavam atrasados e os trabalhadores não tinham recursos para deixar a aldeia nos dias de descanso, o que caracterizou cerceamento de liberdade. Um deles relatou ter passado por situação semelhante em outro país e inicialmente recusou o alojamento, mas acabou aceitando diante da falta de alternativas.

A procuradora Camilla Holanda, do MPT, destacou que o Estado é corresponsável pelas condições de trabalho, mesmo em contratos terceirizados. Ela lembrou que o governo de Rondônia extinguiu em 2019 a Coetrae, comissão estadual que acompanhava casos de trabalho escravo, enfraquecendo a fiscalização. Em 2023, Rondônia registrou quatro resgates, envolvendo 16 trabalhadores — o maior número em dez anos.
Os trabalhadores resgatados foram encaminhados à assistência social e devem receber cerca de R$ 16,6 mil cada em verbas rescisórias, incluindo salários atrasados, férias, 13º proporcional e horas extras. O MPT e o MPF apuram a responsabilidade da empresa e do governo estadual, que não respondeu às recomendações enviadas pelos órgãos de controle.
O caso expõe falhas graves na fiscalização de contratos públicos e reforça a necessidade de mecanismos permanentes de controle social para evitar que recursos do Estado financiem práticas de exploração humana.
Contexto de fragilização em Rondônia
A procuradora destacou a ausência de políticas públicas efetivas em Rondônia para prevenir casos de trabalho escravo. Após o resgate dos trabalhadores venezuelanos, o Ministério Público do Trabalho (MPT) enviou uma recomendação para que o governo estadual garanta o cumprimento das normas trabalhistas, mas, segundo apuração da Repórter Brasil, não houve resposta da gestão.

O estado assinou em 2016 o Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, compromisso voltado a garantir empregos dignos. No ano seguinte, o então governador Confúcio Moura (MDB), hoje senador, criou por decreto a Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE). Porém, a comissão nunca funcionou plenamente porque não teve todos os seus membros nomeados.
A partir de 2019, a responsabilidade de completar a composição da COETRAE passou para o atual governador Marcos Rocha, que, em vez de fortalecer a estrutura, foi acusado de planejar sua extinção. Em 2022, a Conatrae (Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo) chegou a emitir nota pública criticando a intenção de encerramento, mas não foi atendida.
Rondônia não é caso isolado. Outros seis estados também criaram e depois desativaram suas Coetraes: Acre, Amazonas, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraíba e Pernambuco. De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos, apenas Espírito Santo e Paraíba estão atualmente em processo de reativação.
